CAIXA VAZIA

 

África, 1 de Maio de 2019

Querido Pássaro,

Atravessamos uma época de profunda seca. A terra rachou sob os nossos pés e o horizonte esconde-se atrás de uma estranha nuvem de proporções incalculáveis.

Era costume haver sol, chuva e muitas nuances de cor, sem que nada nos impedisse de ver o caminho. As meias-noites eram sempre estreladas, como não havia iguais! Os rituais da passarada davam-se em generosa profusão e tu ocupavas o maior pedaço do meu céu. Outros tempos… Tempos de inocência e pura alegria. Chegavam cartas bem nutridas e as manhãs acordavam bem-dispostas.

Não me conformo com o cataclismo que abalou este continente!

Para além da falta de água e da escuridão repentina que nos devastou a todos, as casas foram arrombadas, e as caixas de correio ficaram vazias.

O que fazer com uma caixa vazia? Diz-me tu em que podemos nós acreditar e o que podemos nós imaginar quando nos deparamos com ela?

Estará ela cheia de saudade? De sonhos virgens? De pedidos de socorro? De terríveis segredos? De impotência? De amor proibido? De medo? De nada que é tudo? De quê?

Só não quero ganhar o hábito de me debruçar sobre o vazio como se fosse um vício. Quero enchê-lo de dança. É isso. De dança e de deliciosos cansaços, até que o meu corpo relaxe e me possa parecer que terei ouvido o teu esvoaçar.

Acabei de decidir que uma caixa vazia pode ser um esconderijo para os meus pássaros e o espaço amplo onde cabem todos os sonhos do mundo.