O PRAZER DE VIVER

O tema do prazer remete-me imediatamente para o deleite dos sentidos e para o desejo de viver. Estar vivo significa sentir o corpo aqui e agora, estar consciente da nossa natureza animal.

Segundo a Análise Bioenergética, o ego, com todo o seu conhecimento racional, é trémulo e inseguro se não estiver firmemente apoiado na realidade do corpo e dos seus sentimentos. Quando o ego tem as suas raízes no corpo, o indivíduo ganha perceção de si próprio. Se, pelo contrário, as suas raízes forem arrancadas do solo, o indivíduo sentir-se-á envergonhado do seu corpo e culpado em relação aos seus sentimentos, perdendo o sentido da identidade.

Arrisco afirmar que viver o prazer implica aproximarmo-nos da nossa natureza instintiva. Isso não significa desestruturação. Não significa perder as socializações básicas ou tornarmo-nos menos humanos. Significa exatamente o oposto: estar no encalço da nossa profunda integridade.

Aproximarmo-nos da nossa natureza instintiva implica delimitar territórios, encontrar o nosso grupo de pertença, ocupar o nosso corpo com segurança e orgulho, independentemente dos dons e das limitações desse corpo, falar e agir em defesa própria, seguir o rasto da verdade, estar consciente, alerta, recorrer aos poderes da intuição, descobrir o lugar a que pertencemos. É ter direito ao fruto completo, é o fogo criador, é a sexualidade integrada com a ternura, é seguir o instinto e a intuição.

O indivíduo, no pleno gozo do seu prazer de viver, é devoto, trabalha arduamente na direção certa e repousa sempre que o corpo dá sinais. Tem um enorme respeito pela realidade cíclica do corpo e da vida.

Segundo a psicologia Jungiana, a vida instintiva está diretamente ligada à lembrança de um parentesco absoluto com o lado selvagem, mais antigo que nós próprios, que a nossa família de origem. O lado selvagem não é descontrolado. Significa, sim, viver uma vida natural na qual estão presentes uma integridade inata e limites saudáveis.

Quando são cortados os vínculos de um indivíduo com a sua fonte de origem, ele fica esterilizado, os seus instintos e ciclos naturais são perdidos em virtude de uma subordinação à cultura, ao intelecto, ao ego desenraizado.

Quando os nossos ciclos de sexualidade, criatividade, trabalho e diversão são restabelecidos, deixamos de ser alvo para as actividades predatórias dos outros.

Esta natureza instintiva é a terra profunda que habita o nosso corpo e a nossa alma. Por isso, precisa de ser despertada, lavrada, regada, adubada, remexida para que as sementes arquetípicas do prazer possam germinar e encher a nossa vida de verdadeiras tristezas e alegrias e, assim, nos indicarem o caminho. A nossa natureza instintiva é aquela que nos diz “Vai por aqui”.

Viver o prazer é viver integrado com a vasta gama de emoções, com o instinto e com o respeito pelos limites, com os sons da natureza, com as cores, com os sabores e odores inexplicáveis do fruto da terra, com os arrepios na pele – de frio, de calor, de suavidade, da brisa fresca, de dor, de amor. É viver em conformidade com a natureza extática da vida, é comovermo-nos com o belo, com o tremendamente simples, com aquilo que está alinhado, e solidarizarmo-nos com a ovelha tresmalhada do rebanho. Ter prazer é estar inteiro e ser profundamente verdadeiro nas próprias escolhas.

O trabalho terapêutico sobre o Prazer é um trabalho sobre o despertar dos sentidos e da intuição; é cantar sobre a ferida até sarar; é “massajar” muito os pés e reaprender a andar, para sentir a marca do chão no pé inteiro; é um trabalho sobre o deixar ir o controlo obsessivo e conhecer a força da energia que vibra cá dentro. É um trabalho sobre a vivência da sensualidade, movimento que vem das profundezas, seguro e saudável, e que acorre à pele, aos olhos, aos gestos, à voz, ao outro. É também um trabalho sobre o sonho. É andar desvairado à procura da nota vibrante da existência e, quando se  encontra, correr muito depressa com Ela nos braços e com milhares de estrelas nos olhos. Por vezes, é estar num estado febril de inspiração e é começar de novo, apesar das memórias de dor. É dar espaço ao imprevisível e dar voz a talentos escondidos à espera de uma oportunidade.

O Prazer de viver é uma expressão do Amor. No seu significado mais profundo, é uma canção inesquecível que reverbera nas nossas fibras musculares e nos caminhos que nos intersetam com os outros. É a nota contagiante que pode curar doenças, salvar as nossas relações e o sonho da humanidade.