POEMA DE GRATIDÃO

IMG_3205

Como seria o mundo se cada um de nós construísse vínculos seguros?

No meu trabalho, tenho o privilégio de conhecer pessoas incríveis que conseguem transformar as suas vidas, partindo de situações de grande fragilidade. Por muito que nós, psicoterapeutas, dominemos a técnica de conduzir as pessoas pelos seus processos de vida, temos que assumir a nossa humildade e aceitar que são elas, as pessoas, que trazem consigo o tesouro, a força, a luz. Estou grata por ter sido conduzida para os braços daqueles que a cada dia me mostram o sentido da vida e me ensinam a humildade.

É muito importante divulgar matérias positivas, histórias de pessoas que transformam alquimicamente o passado e que conseguem cruzar a linha do medo, aprendendo a valorizar o amor partilhado todos os dias.

O amor não é uma abstração inatingível, é real, é uma escolha feita por pessoas que não desistem de crescer, de se transcender a si próprias, de se comprometer com o conhecido e com o desconhecido de si e do outro, numa aventura fascinante de autoconhecimento.

Como seria o mundo se cada um de nós cultivasse relacionamentos saudáveis e felizes, construísse vínculos seguros e tivesse como prioridade a saúde emocional?

Não podemos ignorar o poder que a higiene emocional tem na qualidade de vida das pessoas, das famílias, das instituições, das empresas, da sociedade, do mundo!

É preciso reaprender a olhar, a respirar, a sentir, a fazer escolhas a partir de uma perspetiva elevada. É preciso largar crenças que nos mantêm presos na teia da vitimização e da carência. É preciso ampliar o olhar e colocar no topo da lista das prioridades a capacidade de vinculação. Não tenhamos pudor de considerar que é de amor que o mundo precisa!

O amor tem sido o tema da maior parte das canções e da poesia porque é bem possível que seja a matéria de que o Universo é feito!

Quero partilhar um poema de gratidão.

Pedro faz terapia há alguns anos e, num dado momento do seu processo, sofre um despertar. Sofrer um despertar parece um paradoxo. Mas é assim. Pela perda de algo valioso, chegou a uma compreensão do seu padrão de infelicidade e teve a oportunidade de fazer o luto do menino que já não é.

Vou transformar, em poema, o conteúdo das suas palavras e das lágrimas choradas durante várias sessões. Recordo estes momentos com enorme comoção.

Pedro pode ser cada um de nós que ouse aproveitar a sua oportunidade de ter nascido, de uma forma que faça sentido e que contribua para a construção de uma massa crítica que pode elevar o nível emocional e espiritual da humanidade.
Tenho poucas dúvidas a respeito da responsabilidade que cada um de nós tem na construção da sua realidade pessoal e do mundo que temos.

Poema de gratidão

“Bom dia, meu amor. Tenho estado a dormir profundamente.
Não tenho percebido o quanto tens estado aqui. O quanto és sábia e protetora e como é enorme a tua alegria. Preocupado em manter sempre atualizado o meu passado de menino mal amado e incompreendido, tenho projetado em ti todas as minhas expetativas infantis de que um dia alguém irá satisfazer incondicionalmente todas as minhas necessidades.

Bom dia, meu amor. Perdoa-me por ter andado tanto tempo adormecido e ter negligenciado a soberania das tuas atitudes amorosas. Tu és uma luz e, pacientemente, puseste-te na retaguarda porque sabias que eu não aguentaria o brilho das tuas ações.

Obrigado pelas refeições maravilhosas que preparaste com tanto amor, bom gosto e requinte. Obrigado pelas tuas carícias, pela mulher sensual e feminina com que me brindaste todos os dias. Como é possível eu não ter reparado que, para além do grande ser que és, ainda és a mais linda e sensual das mulheres que algum dia se cruzou no meu caminho!?

Obrigado, meu amor, por te teres zangado comigo e me teres batido com a porta. No dia em que saíste da minha vida, apercebi-me do vazio que é viver sem ti. E que todas as lamúrias que te fiz eram a minha alma infantil a lamentar-se por tudo o que não teve. Perdoa-me. Tu deste-me tudo aquilo que a minha criança não teve. Mas a minha carência é tanta que nada do que me deste chegava. Aproveitei as tuas fraquezas e fragilidades para te demonstrar que eras insuficiente e que eu merecia mais e melhor!

Como é fácil ser vítima! Nada é da nossa responsabilidade! Todos nos devem!
E que tédio é, afinal, a vida desta maneira! O poder resvala devagar por entre os dedos, enquanto envelhecemos e perdemos as melhores oportunidades!

Obrigado, meu amor, por me teres batido com a porta. Esse foi o primeiro dia em que entrei na idade adulta. Ensinaste-me que o tempo não volta atrás e que para termos amor temos que curar as nossas próprias feridas e amar-nos a nós próprios. Só assim se aprende a dar valor a uma companheira como tu.

Hoje, honro cada cicatriz que tenho, dou alta aos meus pais que deram o que tinham e o que sabiam. Hoje, compete-me a mim fazer melhor.

Obrigado, meu amor, por me teres batido com a porta e teres lançado em mim a semente do amor próprio e da gratidão.

Obrigado pela tua solidariedade, pelo teu olhar de mulher atenta, pela alegria que geras à tua volta e pelo prazer que me fizeste sentir!

Perdoa-me por não ter honrado os teus defeitos, as tuas dificuldades, por não te ter dado a proteção que precisavas. Por não ter sido o companheiro responsável que tu mereces.

Obrigado, meu amor, pela lição de força e de coragem que me deste. Por me teres mostrado que amor também é dar limites com a contundência necessária para acabar com a violência psicológica inconsequente! Obrigado pela lição de vida que me deste, ainda que esteja a sofrer, em cada célula do meu corpo, a tua ausência.

Resta-me pensar que, se algum dia vivi este amor, é porque há em mim a centelha brilhante de vida que um dia irá renascer.
Amo-te.”

Nota: o nome do personagem da história é fictício e estão salvaguardadas todas as regras de sigilo profissional.