BÁRBARA

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O seu verdadeiro nome é Bárbara.

Na mão direita, empunha uma espada azul e, na esquerda, uma fonte inesgotável de pétalas de rosa. Pode ser de uma doçura enorme, espelhada num olhar nirvânico. Outras vezes, dos seus olhos chispam raios assertivos, cortantes como a espada afiada que repousa na bainha, junto à cintura. Nenhuma dessas partes atua em contradição com a outra. São aliadas.

Bárbara é uma mulher arquetípica, com traços fortes de tudo. Difícil de amar porque não é previsível. A sua doçura tem uma musicalidade envolvente, inebriante. A sua força tem um caráter vulcânico, assustador. Como as lobas. Não tão nobre nem tão lúcida como estes seres que, por amor, são capazes de matar as suas crias em sofrimento. Mas quase. Bárbara é capaz de dar um golpe impiedoso a quem ama, para por termo àquilo que considera ser abuso de confiança. É frequentemente mal interpretada. Mas assim são as pessoas com uma forte dualidade e que são ambas as coisas e não uma só.

Poucos são aqueles que se apercebem da dor que a invade quando mostra a lâmina reluzente da sua zanga. Dobrada em posição fetal, soluça até adormecer. Faz isso na natureza. A gruta na praia ou a clareira de um bosque são frequentemente o seu refúgio para chorar, para limpar a dor do sangue derramado de um ente querido.

Bárbara nasceu com os olhos abertos, muito vivos já. Já tinham a cor que hoje tem como mulher. Foram sempre olhos decididos a ser o que queriam ser. Olhos doces, vivos, flamejantes, incisivos, penetrantes. Olhos onde alguém pode descansar, sem sobressaltos. Os seus olhos prometeram sempre força e liberdade e, nas suas pupilas, quem olhasse atentamente, já lá estava o sonho daquele amor e daquela paz.

Bárbara viveu num país que sofreu duas guerras. A guerra de uma terra sangrenta e a guerra de uma família difícil. Foi atingida várias vezes no mesmo sítio. No coração. Meninos ranhosos, de barriga grande, choravam. Ela também. Homens velhos, espancados pela vida, choravam. E ela também. A terra fértil abria-se aos seus pés e engolia os dias felizes, e chorava. Ela também. Os irmãos sofriam e ela chorava. Ela sofria e os irmãos choravam. Os pais tentavam e nem sempre conseguiam que a ternura da vida fosse tão quente como aquele sol gigante nem tão brilhante como as estrelas cravadas no céu. A doce menina viu o seu sonho distante e, para se defender, empunhou a espada azul que o seu pai lhe ensinara a usar.

Bárbara tem uma vulnerabilidade profunda que a terapia não lhe tirou. Os golpes desferidos no seu coração são sempre inesperados porque o seu primeiro olhar é sempre inocente. No instante do golpe, para a raiva não ofuscar o seu discernimento, congela. Em lapsos de tempo, a raiva vai aparecendo sob a forma de uma mente analítica brilhante que cai como uma bomba. Outras vezes, a raiva é uma voz acossada ou um olhar mortífero que atravessa. Outras vezes, ainda, é apenas uma viagem para longe do local perigoso e escasso.

Bárbara teve muitos companheiros. Todos, à exceção de um, o primeiro, tiveram medo do campo aberto, rodeado de flores silvestres, que a sua doçura tinha para oferecer. As pessoas com problemas precisam de alguém com problemas, para que o acesso ao olhar límpido e cristalino da alma seja demorado. Cada um desses homens, feridos pela vida, não resistiu a golpear o coração aberto de Bárbara, fazendo o que alguém já tinha feito com eles. Todos eles, homens sobreviventes, diamantes por lapidar, atraentes pela força e necessidade de amor. Mas não resistiram a ferir a sua própria sensibilidade, espelhada na doçura e simplicidade de Bárbara.

Quem disse que a harmonia era fácil de suportar? O que farias tu se te tirassem a mochila pesada das costas e te oferecessem um campo aberto para seres quem queres ser? Acreditas, se eu te disser, que esta leveza pode constituir a maior das dificuldades e conter uma promessa de dor? Bárbara chegou a esta conclusão e, com muita tristeza, percebeu que, neste mundo, a espada tem que ser usada.

Bárbara precisa de um homem que tenha vivido sempre no mesmo sítio, que saiba o que é arar a terra, semear e colher. Que saiba cuidar e que tenha passado longas horas à cabeceira de um filho com febre. Bárbara precisa de um homem que já tenha sofrido muito e que saiba dar valor à ternura e à partilha. Que saiba o que é ter sede e, no deserto da vida, ter tido alguém que lhe tenha humedecido os lábios. Alguém que não esquece quem lhe faz bem. Alguém que já foi muito amado. Alguém que esteve demasiado tempo vinculado às necessidades dos outros e que, agora, precise dos braços da liberdade e do amor por si próprio. Bárbara precisa de um homem que nunca tenha saído da terra onde nasceu e que precise de voar no colo de uma mulher que não tenha medo do mundo e que tenha para oferecer uma fonte inesgotável de amor. Bárbara pode ensiná-lo a voar e ele, dar-lhe chão, estrutura, presença e cuidado.

Um vem do norte e outro vem do sul. Um vem do lugar seguro e velho e o outro, do lugar instável e criativo. Ambos trazem nas mãos e nos olhos a sabedoria da ternura e o anseio da harmonia partilhada.

Nisto, discretamente, Bárbara tira a espada da bainha que traz à cintura, embrulha-a num manto azul de seda e enterra-a junto ao roseiral que se estende pelo caminho até casa.