CLANDESTINA

2014-08-20 16.04.15

O Encontro deu-se num relance de olhar.

Havia muitas pessoas, ruídos, música, mesa farta e, no entanto, aquele olhar desacelerou o tempo dos futuros amantes.

Tudo aconteceu sob a força incontrolável da fisiologia do instinto.

Nesse dia, fizeram acordos tácitos de ternura. No futuro, numa das despedidas, desfariam esses acordos, esfumando-se estes docemente no espaço. Sem dor. Com lágrimas doces.

Clandestina é uma mulher adulta, madura e responsável. Apeteceu-lhe muito deixar-se ir naquele abraço. E foi.

Há histórias assim, de pele, mas de pele “lá dentro”, sem palavras, feitas de imagens, sensações e momentos. Existem apenas num plano onírico e as palavras proferidas pertencem à linguagem dos amantes, sem antes nem depois.

Alguém um dia sonhará este sonho e o cupido cósmico lançará a sua flecha, trazendo na ponta aguçada o espírito daquele romance.

Tudo o que acontece faz parte do livro histórico da humanidade, dos arquétipos da psique humana.

Clandestina abriu caminho. O tempo encarregar-se-á de fazer germinar a semente de um encontro feliz. Podem passar-se anos. Podem outros tropeçar no sonho acabado de sonhar e, zás. Haverá um antes e um depois.

A maturidade emocional pode transformar um episódio efémero e clandestino num ato de coragem que pode salvar alguém. Pode resgatar o instinto adormecido de uma mulher, ressuscitar os seus sonhos abandonados, fazer funcionar os seus ovários, recuperar o canto profundo da sua alma, torná-la mais bonita, acordá-la, despertá-la de uma dormência psíquica, atirá-la “violentamente” para o trilho verdadeiro da sua vida.

A maturidade emocional permite-nos ser responsáveis pelas nossas vivências, entrar e sair de sítios perigosos, com um tesouro na mão.

Esta história é inspirada na vivência de uma mulher em fim de terapia. Muitas vezes tropeçou em histórias amorosas complicadas, ficando presa, por longos períodos de tempo, a um sofrimento repetido, típico de quem perde a força, o eixo, a autoestima. O fim da sua caminhada terapêutica foi atravessado por um acontecimento inesperado. Estávamos ambas expectantes relativamente ao seu significado. Estaria ela a repetir novamente o script? Por que voltaria ela a escolher uma situação amorosa aparentemente pouco promissora?

Não. Desta vez, seria necessário ser mulher. Deixar de ser a menina despeitada, a Perséfone perdida no mundo subterrâneo de Hades. Seria preciso assumir a sua curiosidade até ao fim e a responsabilidade pelos suas escolhas. Resgatar a força para sair. Não culpar o outro. Não manipular o outro. Entrar, viver, sentir e separar-se. E, por acaso, ter vivido a mais amorosa de todas as histórias, dizendo adeus através de um olhar azul, grato, húmido de tão doce, cheio de marcas de ternura, reconhecimento, nutrição, paixão, proteção, beleza e inocência.

Há histórias assim. Quando tudo parece ter chegado a um certo equilíbrio e bom senso, a vida apresenta mais uma armadilha. A derradeira, a que põe à prova a nossa verdadeira capacidade de largar o que não nos serve!

Não tenho dúvidas de que esta mulher está pronta. Pronta para se amar e continuar, sem o olhar da terapeuta, pela estrada fora da vida.

O verdadeiro amor vem de nós e fica. É próprio. Permanece inabalável nas nossas escolhas. Pode ser sozinho ou acompanhado. Pode ter a forma de uma relação, de um episódio amoroso, de um projeto, de um ato criativo em estado febril, de uma separação, de uma vida solitária na floresta, na companhia cantante da alma. Livre.

Parabéns, Clandestina! Às vezes é necessário recuar ao passado e passar pelas tormentas conhecidas, para sair dele com a graciosidade de uma bailarina, sem chamuscar a autoestima.

Mulheres e homens abençoados pela vida nunca têm caminhos lineares. Têm segredos, deslizes, quedas, desencontros sucessivos. Não obstante, têm em comum um olhar brilhante e curioso, sentido apurado, grande capacidade de amar e proteger, muita resistência e uma certa teimosia. Têm choro fácil e, às vezes, são irascíveis. São fortemente intuitivos e ferozmente leais. Caem e levantam-se inúmeras vezes, levando sempre consigo papel e lápis, para reescrever a história. Nunca ficam iguais. São irreverentes e, ao mesmo tempo, humildes. Preservam a capacidade de sonhar e de aprender.

Parabéns, Clandestina! Foi um privilégio ver-te encontrar o teu Legítimo Caminho.