ESTE ESPAÇO É MEU E ESTE ESPAÇO É TEU!

árvores gémeas

A mitologia, a literatura e as vidas das pessoas estão cheias de enredos baseados no Complexo de Édipo mal resolvido! Alguém quer um espaço que não é o seu e quem de direito não é capaz de gerir amorosa e firmemente a situação. Os papéis ficam trocados, o sentimento de culpa instala-se e acompanha-nos indelevelmente para o resto da vida ou por muitos anos. É preciso que a nossa alma se sinta sufocada, para que possamos questionar a orientação dos nossos desejos e necessidades amorosas.

Este espaço é meu e este espaço é teu!

Quem dera a todos nós que os nossos pais e/ou padrastos tivessem sabido mostrar, com atitudes coerentes e enraizadas, esta verdade tão simples e libertadora! Ter-nos-iam ajudado a sair do triângulo amoroso que teve início aos 3 anos de idade.

Se os progenitores não tiverem esta etapa resolvida, embarcam no desejo da criança, atuando os seus próprios desejos inconscientes e as suas necessidades de amor não satisfeitas. E isso aconteceu mais uma vez!

Era uma vez um menino que tinha uma irmã mais nova. Os pais começaram a dar-se mal por variadas razões. O pai era rígido e a mãe, amorosa com o seu filho querido. O menino rapidamente se transforma no homenzinho da mãe; o pai afasta-se sexualmente da mãe e é exigente com o filho. O tempo passa e o menino, agora adolescente, perde a mãe aos 18 anos. O seu amor morre e, de imediato, assume a responsabilidade pela irmã mais nova. O pai, de certo modo, deixa que isto aconteça porque entretanto já se tinha afastado do seu papel de homem da mãe, partilhando com o filho as responsabilidades que eram suas. Há claramente um confronto entre dois rivais, disputando a guarda de uma menina. O rapaz perdeu a mãe, deixa de poder gozar a fratria e busca amor e proteção, através do papel de pai, que assume perante a irmã, prolongando, sem saber, o seu Complexo de Édipo. Como vemos, o menino cresceu com um padrão de lealdade fora do sítio, aumentando a sua carência afetiva que é compensada pelo poder que detém junto de todos os elementos da família.

O adolescente cresceu e fez-se homem. Responsável, diga-se. A esposa queixa-se do paternalismo do marido e, depois de mil e uma guerras, presenciadas por dois filhos, separam-se. Os filhos são instigados por uma mãe ressentida. Ele sofre por muitas razões que poderia exaustivamente explicar. Mas o que importa dizer é que este homem, amoroso e dedicado aos seus dois filhos (um menino e uma menina), esconde deles as suas namoradas e espera, inconscientemente, que aqueles o nutram e o compensem afetivamente. Ao mesmo tempo, tem que gerir a frustração e os ciúmes das namoradas, a dificuldade de estar inteiro nas relações, a culpa. Aqui está, mais uma vez, a atualização do Complexo de Édipo, agora na relação com os filhos que, da mesma maneira, se veem armadilhados pelo mesmo Complexo, não resolvido. É óbvio que todas as escolhas feitas pelo personagem desta história são mais do que racionalizadas e devidamente fundamentadas, perpetuando a lealdade construída desde os seus três anos de idade!

Dentro deste quadro de dependência afetiva, há sérias dificuldades em dar limites e em determinar os seus próprios limites.

Tudo se agrava quando os filhos começam a dar problemas na adolescência. É preciso dar limites aos abusos de autoridade e o sentimento de culpa interpõe-se e não permite. O poder que sempre teve esvai-se por entre os dedos. É agora a vez dos filhos assumirem o controlo da situação. Nesta história, todos sentem falta de amor, disputando espaços na relação. Ninguém se larga. Ninguém segue a sua vida, ainda que a raiva cresça sufocada pelo medo de perder o único espaço de amor que se conhece…

Este homem busca terapia num momento em que sente uma tremenda solidão, perda de controlo e falta de amor. A sua alma está espartilhada. Está cansado de se sentir dividido entre amores: entre filhos e namoradas, entre estar disponível para satisfazer as necessidades dos outros e satisfazer as suas, de prazer, de descanso, de diversão, etc. O seu corpo de adulto carece de satisfação, de amor maduro e seguro. Mas a dificuldade de separação é imensa: de dizer “não” a dois filhos caprichosos, sempre que é preciso; de dizer “sim, eu sou importante, eu primeiro!”; de questionar toda uma vida e chorar pela perda da mãe, personagem central na sua história.

De mãos dadas, sigo com ele pelo caminho da consciência e das brumas. Devagar.

Vou com ele muito atrás, à procura do seu desejo de amor. Pelo caminho, tropeçamos juntos na sua resistência em deixar ir o que não lhe pertence. Sou testemunha da sua tristeza. Assisto-o na conquista da sua autonomia perdida, da sua alegria de viver…  é bem possível que demos de caras com os sonhos mais recônditos da sua alma, então afundada por tantas responsabilidades e lealdades de outrora.

É preciso que os casais sejam felizes, individuados e identificados com uma sexualidade adulta, para ajudarem a criança a separar o impulso erótico do impulso afetivo e a aprender a estar, um dia, dentro de uma relação amorosa, sem confusão, sem jogos, sem triangulações. E o/a menino/a  seguirá o seu caminho, livre para escolher, diferenciando uns afetos dos outros. Esta é a raiz da integridade. Estar inteiro num afeto, sem confusão, assumindo o espaço que é seu e as responsabilidades inerentes.

As separações são absolutamente necessárias.

Um dia, todos nós deixamos o seio materno. Deixamos o infantário, a escola primária, o liceu, a faculdade, o emprego, várias relações, deixamos para trás a pele fresca e firme da juventude, a energia que em tempos pareceu inesgotável; todos nós perdemos entes queridos e morreremos um dia. É urgente encarar a separação como algo que faz parte da nossa evolução, como uma promessa de prazer maior, de maior fluxo e vibração, de amor maior, de paz maior, como um mergulho no mar profundo e complexo do nosso Self!

Olá! Tenho três anos! Alguém me explica que não posso fazer tudo, que não posso ter tudo, que o pai é da mãe e que a mãe é do pai… apoiam-me amorosamente na frustração que sinto … protegem-me dos perigos … estão vigilantes para que a potência corporal que entretanto conquistei não me atire para um sítio sem chão … abraçam-me os dois quando preciso de afeto … e dizem-me “amamos-te muito”. E aprendo a dizer “este espaço é meu e este espaço é teu”!

Olá! Tenho 45 anos!

Este espaço é meu! Este espaço é teu! Este espaço é nosso!

 

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