NA SOMBRA DOS CORPOS

O dia acordara soalheiro, iludindo os mais esperançosos. Em meros instantes se fechara o horizonte, num cinzento triste e chuvoso.

O tempo está como as pessoas. Instável e frágil.

É desorientador. O corpo mal tem tempo de se habituar à alegria de um momento, para logo se reprimir diante de um semblante cerrado. Por que não tentamos ser felizes dentro da chuva, enrolando-nos nos braços uns dos outros só a trocar amorosamente as nossas existências? Com isso, nasceria um certo sol na barriga e no coração… De certeza que era isso que aconteceria. Mas há qualquer coisa no tempo de agora que afasta os seres para dentro de rochedos, com medo que o sol se transforme em lava destrutiva ou não sobreviva, ele também, à violência da tempestade.

Naquele dia simplesmente cinzento, as aves decidiram abandonar o céu, refugiando-se no interior de uma ruína. Como se já não pudessem desfrutar do voo rasgado e orgástico. Como se temessem perder para sempre a esperança de voar em céu aberto e límpido – voar imensamente e durante muito tempo. Ali resguardadas, dormiriam na esperança de um dia.

É desta forma que muitas pessoas se defendem de viver. Recolhem-se no medo de morrer, tal como as aves, dentro da ruína.

Por causa dos dias instáveis, geraram-se muitos cansaços. E os cansaços desenharam costas curvadas de olhos postos no chão, na sombra dos corpos.

Compreendo.

Ainda assim…

Acredito na luz que se esconde na sombra dos dias e nas pedras do tempo.

Aprendo a voar na instabilidade do vento, e a transformar ruínas em casas para sempre.

 

6 de dezembro, 2022