O Espaço da Relação

Aprendizagem do movimento e da autonomia, a partir de um vínculo seguro

(Workshop apresentado na XX Conferência Internacional de Análise Bioenergética, sob o tema “Corpo em Poesia”, em Búzios, Brasil.)

A relação precoce, nos primeiros 18 meses de vida, representa idealmente uma caminhada, entre a mãe e o bebé, baseada no suporte e na presença empática, capazes de permitir ao bebé uma entrega, sem medo, desde a fase de dependência simbiótica até à fase de diferenciação e individuação.

Neste tema, estão presentes, como pano de fundo, os pressupostos teóricos que se seguem.

O bebé nasce com uma bipolaridade tónica e fisiológica, através dos estados extremos designados de hipertonia e hipotonia. Até aos 2-3 meses, o bebé tem uma motricidade reflexa, não sendo capaz de passar progressivamente de um estado a outro, por falta de maturação neurológica. A “mãe” é o “continente” que permite que a criança relaxe e entre em estado de hipotonia.

O bebé nasce com hipertonia periférica (pernas e braços super ativos) e hipotensão axial (não pode suportar a cabeça, nem sentar-se, nem pôr-se de pé). Pouco a pouco, vai diminuindo a hipertonicidade periférica e aumentando a hipertonicidade axial, implicando uma repartição da tonicidade.

O bebé nasce com um centro energético ou eixo pulsátil, um grande tubo, responsável por toda a atividade metabólica, e que contém muitos outros tubos, com diferentes ritmos pulsatórios, que o bebé vai integrando pouco a pouco. As sensações internas desses ritmos são as primeiras sensações que existem, conferindo ao bebé a sensação de existência (sensibilidade interiocetiva).

Em termos embriológicos, todas as funções vitais estão em tubos, dentro do grande tubo pulsátil ou centro vital e, pouco a pouco, os tubos vão formando bolsas ou constrições, áreas corporais que permitem rotação.

À volta do centro vital existe o tecido tónico (musculatura). A energia produzida pelo metabolismo mobiliza a musculatura, seguindo duas leis: céfalo-caudal e próximo-distal.

O tecido tónico é composto por fascias e por músculos. A fascia é um invólucro, um tecido conjuntivo que envolve os músculos, desde a cabeça até aos pés, e tem 3 funções muito importantes: contenção, coordenação e transmissão. A fascia insere-se nos músculos apenas ao nível da zona ocular, do diafragma, da pélvis e dos pés. Quando se relaxa a zona ocular, o diafragma relaxa automaticamente por causa da função de transmissão da fascia. Portanto, cada vez que a cabeça do bebé cai e a mãe não protege, o bebé fica aterrorizado, com angústias inimagináveis. E, para suster a cabeça, começa a desenvolver hipertensão na zona ocular, tensionando também, automaticamente, o diafragma. A fascia proporciona a sensação de unidade corporal (sensibilidade propriocetiva).

A pele é também uma zona de contacto muito importante, permitindo a sensação de sensualidade (sensibilidade exteriocetiva). Um bebé que não é acariciado não desenvolve o seu erotismo.

O bebé de 2-3 meses não tem ainda maturação fisiológica para integrar as diferentes áreas sensoriais. Se a mãe não o ajuda, dando o suporte necessário e estando presente, o “programa” não se realiza.

Entre o 3º e o 6º mês, desenvolvem-se as interações relativas à psicomotricidade da cabeça e pescoço, o bebé começa a ter controlo voluntário da cabeça, buscando o rosto humano e começando a construir um vínculo com o mundo físico. Inicia-se, aqui, a estruturação espácio-temporal. Todas as patologias precoces têm a ver com a cabeça e com o pescoço. A capacidade para construir vínculos com os outros e consigo próprios será afetada.

O 6º mês é muito importante porque é um momento de conjunção tónica de todas as partes do corpo. O bebé começa a ser tonificado em todo o corpo, ainda que a tonicidade não seja suficiente para andar. Completa-se a maturação céfalo-caudal, próximo-distal e rotação sobre as constrições. Quando, nesta idade, o bebé explora todas as suas possibilidades de enrolar, distender-se e rodar, desenvolve a sensação de ter eixo. Neste momento, várias coisas estão de acordo: sensações primitivas de impulsos pulsáteis (sensações interiocetivas), sensações de eixo, de centro-periferia (sensações propriocetivas), construindo-se assim a vivência e organização da simetria que permite a lateralização, e sensações sensuais (sensibilidade exteriocetiva).

Aos 12 meses está tudo construído e o bebé pode pôr-se de pé: junção tónica, axialidade e simetria, permitindo coordenação. Estrutura espácio-temporal, junção tónica, axialidade, simetria e coordenação motora, tudo isto, em conjunto, permite ao bebé a vivência do EU e a sua diferenciação do OUTRO – Fase da Individuação e Diferenciação.

EM SÍNTESE

O bebé nasce adaptado em termos reflexos. Pouco a pouco, o programa reflexo desaparece e vai dando lugar à motricidade voluntária intencional. Interações visuais, sonoras, tónicas e emocionais entre a mãe e o bebé permitem a construção do vínculo, a partir do qual a criança desenvolve todas as suas potencialidades. A adoção de posturas e ritmos adequados, permite ao bebé sentir-se omnipotente e feliz, autoconfiante na sua exploração do mundo.

Se a relação simbiótica for deficiente, o bebé contrai-se para se autoproteger e fixa-se em posturas mais tensas, perdendo espontaneidade na exploração do mundo. Micro-terrores, micro-traumatismos, pouco a pouco, organizam uma resposta tónica na hipertonia. Todos os bebés que se sentem inseguros no colo da mãe procuram rigidificar a coluna, dando origem a adultos muito rígidos.

No trabalho proposto, a relação terapêutica recriada constitui uma oportunidade de construir o que faltou na relação simbiótica mãe-bebé: revivenciar o aspeto tónico e emocional presente na relação; fazer tudo com muita suavidade para que o paciente não se dissocie e deixe de sentir (trabalhar a contenção, ao nível das fascias); adaptar o ritmo, os movimentos e as posturas ao paciente; apoiá-lo na conquista da autonomia e deixá-lo ir.

Inicialmente, trabalha-se sobre a cabeça, seguindo-se os braços, o tronco e, por fim, o corpo todo, respeitando o sentido do desenvolvimento psicomotor da criança. Com a ajuda da música, “acréscimo de mãe boa”, cada um poderá ir mais longe na exploração das suas capacidades corporais, numa dança encantatória e comovente.

Espera-se que cada um consiga sentir a energia a fluir ao longo da coluna vertebral, experimentando a sensação de existência e de eixo; que tenha uma oportunidade de integrar ritmos e emoções, de consolidar a verticalidade, o grounding e, simultaneamente, experimentar a espontaneidade e a graça do corpo em movimento.

Reflete-se também sobre os sentimentos da “mãe” que, tal como o “bebé”, sai da relação simbiótica, conquistando autonomia. Nesta conquista, alguns experimentarão sentimentos de angústia de separação, tendo oportunidade de corrigir o que lhe faltou durante o seu próprio processo de vinculação. Outras pessoas experimentarão, em espelho, a alegria da entrega, o prazer da descoberta, confirmando a sua capacidade e validando, simultaneamente, a sua própria autoestima .

Acredito que o trabalho em espelho é muito sanador e revela como a relação mãe-bebé/terapeuta-paciente se pode transformar numa dança harmoniosa de crescimento e prazer mútuos.