PRIMEIRO ISTO E DEPOIS AQUILO

Sim, mas não 1

Que mania de fazer primeiro isto e só depois aquilo, sempre que aparece uma ideia luminosa! Primeiro vou lavar os dentes, vestir-me e comer. Só depois vou escrever sobre aquele tema sublime que me fez saltar da cama às 6h da manhã.

Não. Desta vez troquei as voltas a mim própria. Fui a correr para a sala, de camisa de noite, pus os óculos e liguei o computador. E rápido, para que não me fugissem as ideias e voltasse novamente para a cama, para o mero pensamento. Adoro escrever em estado febril. É no momento presente que as coisas acontecem. Se não for agora, será tudo diferente. O texto teria mais vírgulas do que as que verdadeiramente quero e perderia seguramente o Duende, aquele brilho único e irrepetível que emerge de um estado de profunda verdade interior. São 11h da manhã e o ato criativo não pára de fluir. Gosto da escrita assim, com o hálito matinal, o cabelo despenteado, o estômago a rugir de fome e a loiça por arrumar.

Assim é, muitas vezes, a nossa vida. Uma escolha entre fazer sempre o mesmo ou fazer diferente. Eu, que confesso ser um primor na organização pessoal, adoro trocar as voltas a mim própria e viver temporariamente num certo caos, só para não perder o Now Moment! E a verdade é que não se trata verdadeiramente de um caos, apenas da renúncia a uma lógica de funcionamento habitual.

Trago este episódio prosaico da minha vida, só para introduzir o tema que considero de suma importância.

Quantas vezes deixamos passar coisas verdadeiramente importantes, em nome do hábito? Uma, duas ou infinitas vezes?

Quantas vezes deixamos escapar um dia soalheiro e o prazer de viver, em nome de um dever conhecido e inculcado pelas nossas próprias neuroses?

Quantas vezes deixamos escapar pessoas incríveis só porque dá muito trabalho mudar de direção e fazer ajustes à própria vida?

Quantas vezes deixamos a curiosidade morrer de tédio, espartilhada pelo medo de sair do quadrado conhecido?

Quantas vezes deixamos de fazer um corte de cabelo mais ousado, pela nostalgia de um cabelo tão longo e tão bonito que toda a gente gosta tanto?

Quantas vezes dizemos “sim” a um filho, engolindo as necessidades pessoais, só para não sentir novamente uma velha culpa?

Quantas vezes não arriscamos um “não” a um filho, a um amigo, a um companheiro, perdendo a preciosa oportunidade de ver todo o sistema a reorganizar-se de uma forma bem mais saudável e criativa … só por causa da culpa ou do medo?

E quantas vezes também não paramos os impulsos patológicos e não ficamos quietos, só a sentir e a pensar na melhor atitude?

Sim. Isto de parar e calar na hora H também é levantarmo-nos de repente, às seis da manhã, e fazer diferente!

Estamos quase no fim de Maio de 2016 e acordei com uma impiedosa necessidade de gritar aos quatro ventos que é tempo de fazer escolhas livres, o que é totalmente diferente da espontaneidade irresponsável!

Acho que a Psicologia está prestes a incluir um capítulo novo nos seus “autos” sobre o Desenvolvimento. Deus queira! Fala-se tanto, a nível empresarial, de reengenharia, de saltos quânticos, em vez de mudanças incrementais, por que não adotar esse conceito às nossas vidas pessoais e à própria psicoterapia?

É importante alternar entre tolerância amorosa e a administração de um empurrão encorajador, para que a Criança que há em nós possa definitivamente crescer e escolher em liberdade.

Acredito que há de haver um momento em que já não seja necessário andar tanto às voltas do passado e do script familiar. Acredito que a humanidade se há de cansar de tantas limitações autoimpostas e que a crença nas infinitas possibilidades possa surgir mais cedo nas nossas vidas, permitindo-nos atalhar caminho e ir em direção ao que sempre sonhámos.

Agora, sim. Vou comer e arrumar tudo direitinho, tomar banho e aproveitar o dia de sol interrompido pela chuva. De uma forma bem mais presente, concerteza. A pensar só naquilo que estou a fazer.