TRUZ TRUZ, IMPORTA-SE?

Há uma arma poderosa que se chama contratransferência corporal. O que é isto? Basicamente, é a capacidade de sentir, no nosso próprio corpo, aquilo que nos chega dos outros. É uma arma poderosa, dizia eu, e pode ser incómoda também, quando não podemos fazer uso desse poder. Acontece-me frequentemente, sobretudo fora do contexto terapêutico. Aqui, curiosamente, é tudo mais fácil porque há acordo entre as partes sobre o levantar de todos os véus, com vista ao crescimento desejado.

Não se pode chegar a qualquer pessoa, assim sem mais nem menos, e fazer-lhe a leitura do que se passa com ela e das consequências que isso pode ter na sua relação com os outros. Sujeitamo-nos a levar um empurrão ou uma resposta torta. “Alguém lhe perguntou alguma coisa? Cada um sabe de si e Deus sabe de todos!”

“Desculpe”.

Se a informação fosse suficiente para produzir conhecimento e mudança, bastaria traduzir por palavras o que tantas vezes recebo no meu corpo. Com os nós dos dedos, bateria delicadamente à porta das costas da pessoa, e diria assim:

“Truz truz, importa-se? Sabia que está com o corpo todo bloqueado, de uma raiva com barbas brancas, e se calhar é por isso que a senhora tem os lutos todos por fazer? Adianta pouco andar às voltas na cabeça, a tentar compreender o que se está a passar consigo. Experimente, em vez disso, gritar, dizer impropérios, bater com a porta ou dar um murro na mesa, tomar uma posição, em vez de estar à espera que a outra pessoa concorde consigo. Autorize-se a libertar esse peso do seu corpo. Se não conseguir sozinha, aconselho-a vivamente a fazer terapia, mas corporal, para poder aceder à sua verdadeira fonte de autoconhecimento. Passam-se os anos e poderá estar a perder tempo e oportunidades. Oportunidades? Sim, oportunidades. Com esse corpo sufocado de emoções recalcadas, não tem espaço para incorporar o prazer na sua vida. Enquanto não deitar cá para fora anos e anos de zanga, anos e anos de passividade, anos e anos de desqualificações, incompreensão, medo, carência e solidão, não conseguirá chorar tudo o que tem para chorar e dar valor aos privilégios que tem na vida. Quais privilégios? A sua inteligência, por exemplo, os seus talentos, a sua capacidade para fazer dinheiro e amigos, aquele homem que você diz que é maravilhoso, o sol deste país, a sua casa bonita, o mar, a serra, o seu carro, a sua saúde de ferro. Mas cuidado! Trate bem da sua vida emocional, não vá a energia estagnar, e ficar doente! Peço desculpa por ser tão bruta, mas conheci uma pessoa que era um leão, um cavalo de força, um poço de saúde e que, por ter uma cabeça casmurra e falta de humildade, aniquilou, até à morte, os seus recursos energéticos. Peço desculpa mais uma vez por estar a ser tão bruta, mas é assim que o seu corpo está a interferir com o meu. Estou apenas a traduzir o que vem daí. Se quiser o contacto de uma colega, dou-lhe já. Mas, por amor de Deus, saia da cabeça, largue o ipad e vá a correr tratar de si!”

Quando é que as pessoas se convencem que as emoções têm que entrar em circulação, sob pena de ficarem estagnadas no corpo e provocarem aquilo que se chama de estase (estagnação energética)?

“Truz truz, sabia que a estase está na origem de todas as doenças? Há tanta informação à solta acerca disso…! Não duvido que possua essa informação, mas talvez só na cabeça. Não sabe no corpo, não sente. Não sente porque está desconectada de si própria, e é exatamente por isso que a informação não surte efeito. Sem corpo não há verdadeiro conhecimento! Sugiro que largue o ipad e vá até à beira-mar respirar fundo, mas fundo mesmo! Expirações profundas até perder o fôlego. Depois inspire novamente, e assim sucessivamente. Veja se consegue não ir ver as mensagens durante uma hora que seja. Não vai perder nenhum negócio só por estar a viver um bocadinho. E, se perder, é porque esse negócio não valia a pena. Tudo o que nos tira um bocado de vida, vale pouco a pena. Já agora, também há muita informação acerca do facto da estase afetar as nossas relações. Se a sua energia está estagnada na zona lombar, no diafragma, nos braços, na garganta, nas pernas, eu sei lá, não vai conseguir comunicar convenientemente as suas intenções, abraçar, reclamar os seus direitos, olhar com olhos de ver, sair da mira dos predadores, amar, estar ali inteira! Não se admire de só atrair pessoas tóxicas e de achar que a sua vida pessoal é uma tragédia grega. Pense bem nisso!

Truz truz, e já agora, abandone essa crença pessimista de que a vida é uma fatalidade contra a qual não há nada a fazer! Há sim, e muito! Bem sei que há muitas injustiças, pessoas boas que morrem, guerras e roubos. Mas se aprender a enquadrar o significado da dor, vai deixar de ser uma mártir e de rejeitar as fontes de abundância. Peço desculpa por estar a ser tão bruta!

Truz truz, não se esqueça que está na hora de pedir um abraço. Saia desse isolamento e vá buscar o que tanto precisa. Eu? Sim, você. Está com o corpo todo bloqueado, respira mal, tem poucos abraços, pouco amor e pouco sexo, só trabalha, acode aos aflitos como se fosse uma bombeira, e depois não quer ficar doente! Já agora, pare também de se sentir culpada por tudo e por nada, pelas pessoas que sofrem, pelas crianças que choram, pelas cheias que assolam o país, por estar viva. Você merece ser feliz e não tem culpa que os outros não tenham capacidade para ser felizes e prósperos. Trate de agarrar o touro pelos cornos, seja feliz, tenha prazer porque, dessa maneira, estará seguramente a aumentar a massa crítica do mundo, a vingar aqueles que não souberam viver e a contribuir para a felicidade universal.

Se não acredita em mim, vá ler artigos da especialidade, mas só um bocadinho! A seguir, vá a correr pedir um abraço. Vários. Muitos e demorados. Com isso, saberá de imediato, no sangue feliz que lhe corre nas veias, o que vale realmente a pena!”

O que está aqui dito por palavras nuas e cruas pode levar meses ou anos a ser consciencializado pelas pessoas. É este o meu trabalho. Ensinar a ler o corpo, conduzir as experiências, validar, esperar, aceitar. Ser terapeuta pode ser uma forma de amor incondicional porque tem, como requisito, a inteligência de respeitar o timing e os limites das pessoas, sem desistir.

Na nossa vida pessoal, por causa da intensidade das paixões, apegos e urgências, o exercício é mais difícil, mas é o caminho mais justo e vale a pena. O universo é sábio e traz todas as respostas e recompensas.

Ainda assim, há palavras com muito corpo, com uma força tal, que podem deixar uma semente fértil no coração de alguém… “Truz truz, importa-se? “

17 jan, 20